quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"IBGE: Mais de 1 milhão de crianças entre 10 e 14 anos trabalham no Brasil". Um depoimento de Thomas Korontai.

Parece que o foco dessa ação contra o trabalho infantil é evitar que surjam vencedores na vida. Não me refiro, é óbvio, ao trabalho com risco, ou que exija grandes esforços físicos e rotinas longas, principalmente se ainda os estudos forem prejudicados. Refiro-me ao trabalho leve, sem riscos, incluindo, portanto, os domésticos.

Eu comecei a trabalhar em empresa com 13 anos de idade, mesmo minha família sendo de classe média. Aos 14 para 15 anos era office boy em Caxias do Sul/RS, na empresa onde meu pai era diretor. Aos 15 para 16, em outra empresa, uma fábrica de camas e beliches, atuando no escritório e no controle de operação das máquinas, no chão de fábrica. Aprendi sobre a rotina de uma empresa, bancos, notas fiscais, controles, disciplina, fazia meio-salário, que era legalizado naquela época e às 16h estava livre para ir ao colégio. Tenho um orgulho danado disso!

Aos 17 anos fui repórter no Jornal O Pioneiro e da Rádio Independência, e, embora não fosse oficialmente empregado, trabalhei bastante, tinha muita responsabilidade, pois a cobertura do esporte amador era toda minha (o jornal era semanal na época), e a cobertura do futebol profissional no meio da semana (os treinos) também. E ainda, nesta época, trabalha na Livraria Rossi, como multi-tarefa.

Tudo que fui aprendendo fui aplicando e meus patrões "me exploraram" ao máximo o que poderia fazer, fazendo-me descobrir talentos que eu nem sabia ter. Sou imensamente agradecido a todos eles!

Hoje... tenho pena de todos que não conseguem trabalhar, vitimas dessa política imbecil que desenvolveu um bocado de marginais, pois as regras de mercado são assim mesmo - se o ECA (Ecah!!!) protege a "criança" de 16, 17 anos (muitas vezes mais forte do que um adulto) os bandidos os arregimentam para nelas se protegerem da polícia. Isso todo mundo sabe...

empresas não conseguem contratar porque não vale a pena pagar para aprendiz o mesmo que se paga para um adulto. Além disso tem o serviço militar no meio do caminho (sou a favor de um serviço de categoria militar, mas a partir de 15 aos 30 anos, misturando escotismo, militarismo e defesa civil, para forjar cidadãos).

Enfim, mataram o trabalho exatamente na formação das pessoas, proibindo-as até de lavar a louça! Minha mãe me pôs a lavar louça com dez anos, assim como, varrer a casa, o quintal, para dar valor à limpeza e organização, e hoje posso me considerar um sujeito "prendado", pois sei fazer tudo em uma casa. Fui forçado? Não, fui ensinado, porque criança se ensina, não se dá muita opção, porque opções se dão para quem sabe algo da vida, o que só é possível na vida adulta (hoje mais na teoria, infelizmente...).

Quando leio a biografia de grandes homens e mulheres a maioria absoluta começou a trabalhar cedo, alguns até com oito anos de idade. Não conheço ninguém que tenha começado a trabalhar cedo que seja mau caráter, "braço curto" ou como dizem hoje "vagal". A formação de quem começa cedo é sólida, e isso os "defensores" das crianças destruíram, criando uma crônica falta de mão de obra qualificada, pois, junto com a (des) educação ditada pelo MEC - Ministério da Erradicação de Cidadãos - abriram o caminho para a desconstrução de toda uma Sociedade. Quem sabe, seja para dominá-la mais facilmente. Mas a vida e os valores humanos, sempre dão um jeito de reverter as coisas...Só Comte e outros vigaristas acreditaram e acreditam o contrário.

Feliz Ano Novo!

Thomas Korontai

www.federalista.org.br

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Dois pesos, duas medidas.

Todas as pessoas baseiam suas ações em um conjunto de princípios e valores, os quais as norteiam para o que elas consideram ser o certo, evitando assim o que é visto como errôneo pelas mesmas. Esse conjunto principiológico é denominado de ética. É por meio dela que se dá a construção do ser humano não só como um indivíduo racional, mas também como um ser social.

Os libertários possuem um código ético amparado em três valores ou direitos básicos: a vida, a liberdade e a propriedade. Todos são importantes e interdependentes. O respeito por cada um deles é o que permite ao homem poder explorar suas potencialidades e buscar seus objetivos, desde que estes não estejam em conflito com os direitos fundamentais dos outros. Esse respeito é a fonte normativa do princípio da não-agressão, base da filosofia libertária, que pressupõe que ninguém deva sofrer coação quanto a sua vida, liberdade e/ou propriedade.

Mesmo compartilhando de princípios éticos comuns, há uma constante divergência entre os libertários em relação aos mais diversos temas, como são os casos do aborto, da pena de morte e dos maus tratos contra animais. A discussão em geral gira em torno da legitimidade ou não de se aplicar proibições contra essas práticas no sistema jurídico vigente.

Parece haver uma séria confusão que assola os libertários sobre o que seria de fato o conceito de legitimidade. Para a filosofia libertária, é legítimo tudo aquilo que contém a vontade (e subseqüente concordância) da pessoa, desde que está não aflija a esfera individual de outros. E é justamente sobre esse ponto que deve se assentar qualquer análise sobre a legitimidade ou não de um ato ou pena em relação a um indivíduo.

Dessa forma, por coerência, em um sistema monopolístico e impositivo de justiça, como é o atual, um libertário deve sempre julgar uma medida ou ato de acordo com o princípio da não-agressão. Ou seja: como não há de fato uma voluntariedade expressa por parte dos “consumidores da lei” em sua concepção e aplicação, o libertário deve se posicionar a favor de qualquer medida que resguarde a vida, a liberdade e a propriedade dos indivíduos e obviamente contra qualquer pena ou proibição que vá de encontro a esses três direitos.

É justamente por isso que um libertário coerente, em um sistema de monopólio da lei, deve discordar veementemente de penas de morte (porque atentam contra o bem jurídico vida), penas relativas aos maus-tratos de animais (porque atenta contra o bem jurídico propriedade) e penas em gerais nos crimes sem vítimas ou danos a bens (porque atenta contra o bem jurídico liberdade), além de ser contra a proibição de qualquer ato que envolva a auto-propriedade do indivíduo (corpo), como são os casos do aborto e das drogas.

Contudo, esse norte moral libertário perde seu sentido em uma sociedade onde vige um sistema de justiça policêntrico, isso porque nessa situação fática o indivíduo voluntariamente escolhe qual ordenamento jurídico, dentre os vários ofertados pelo mercado, melhor o agrada ou que esteja de acordo com os seus próprios conceitos de moralidade. Neste caso, o indivíduo se encontra em posição de legitimar penas e proibições contra seus próprios atos que atentem contra sua vida, sua liberdade e sua propriedade, o que estaria em pleno acordo com a idéia de que ninguém melhor do que você mesmo para decidir sobre sua própria vida.

Assim sendo, é legítimo em um sistema policêntrico de leis que existam penas de morte para punir determinadas condutas dadas como criminosas. Legítimo porque quem concorda com a punição é o único que realmente poderia dispôs sobre um dos seus direitos basilares, a vida. Já o mesmo não se procede em um sistema de monopólio, dado que está seria uma imposição punitiva sobre a vida da pessoa sem o consentimento primário desta. Consequentemente essa mesma regra seria válida para leis que punissem maus-tratos de animais, aborto, consumo de drogas, direção de veículos sobre efeito de determina substância etc.

Posto essas diferenças básicas entre essas duas situações, não soa coerente a condenação ou permissividade per si sobre determinada lei restritiva ou penalidade pelo simples fato dela infligir ou não o tripé de direitos da filosofia libertária, como costumam fazer constantemente os jusnaturalistas com a defesa dos tais “direitos inalienáveis”.

Cabe aqui um adendo: se um direito é inalienável, implicaria em afirmar que o indivíduo não pode dispor dele, ou seja, este não lhe pertence. Isso seria um óbvio contra-senso. O que os jusnaturalistas atuais parecem não compreender é que quando os liberais clássicos colocaram o termo inalienável ao lado de determinados direitos, o objetivo destes era evitar justamente que o Estado, por meio de suas leis, pudesse interferir nesses direitos. Nota-se assim que não há uma vedação ao uso por parte do próprio indivíduo sobre seus direitos, o que fica claro na defesa desses mesmos liberais ao sistema de livre mercado, onde haverá logicamente negociações envolvendo justamente a disposição de direitos considerados “inalienáveis”, como é o caso mais evidente da compra e venda de bens (propriedades).

Portanto, o foco da condenação ou permissividade do libertário em relação a qualquer um desses temas deve ser direcionado constantemente sobre a legitimidade da medida legal para tratar de atos ligados a propriedade, vida e liberdade do indivíduo, pois qualquer argumento ou posição para além disso transpassaria o próprio princípio da não-agressão (querer impor determinada visão de justiça ou moral sobre outros) e, consequente, desrespeito as escolhas individuais.

Adriel Santos Santana é estudante de direito na Universidade Estadual de Santa Cruz, Bahia.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Quando dois mais dois são cinco

Os direitos a vida, a liberdade e a propriedade são os fundamentos basilares de um sistema justo. Eles consistem em garantir a todas as pessoas a possibilidade de buscarem os objetivos que as próprias traçam para si mesmas, desde que tais objetivos não atentem contra os direitos dos demais. Contudo, nos últimos anos, compreender o significado tão simples desses valores tão essenciais ao seres humanos tem se mostrado de uma dificuldade homérica por parte de muitas pessoas. Essa situação tem por culpa de maneira específica o Estado e suas leis claramente confusas.

George Orwell, um jornalista e escritor que viveu no século XX cujo verdadeiro nome era Eric Arthur Blair, é o autor de diversas obras críticas aos desmandos autoritários dos governos e aos perigos inatos das ideologias. Seu principal livro é 1984, onde o autor descreve uma sociedade controlada em todos os níveis pelo Estado. Nele, acompanhamos a luta diária de Winston para se manter vivo da constante vigilância empreendida pelo poder estatal a fim de coibir qualquer ato, opinião e até mesmo pensamento que não estivesse de acordo com o estabelecido pelo Estado. O termo popularmente mais famoso dessa obra é o Big Brother (homônimo ao de um conhecido reality show nacional), o qual faz referência ao líder dessa sociedade que estampa vários cartazes espalhados pelo país com os dizeres “O Grande Irmão está observando você”.

Quando Orwell escreveu o livro que mais te deu fama, o mundo estava mergulhado na Guerra Fria. De um lado o sistema socialista soviético; do outro o sistema capitalista americano. As duas potências mundiais lutavam constantemente entre si (até mesmo militarmente, mas jamais diretamente) para demonstrar a superioridade do seu próprio sistema sobre o do rival. O medo constante do estouro de uma 3ª guerra mundial era bastante plausível. Atualmente, em um mundo multipolar, onde o modelo democrático tornou-se a regra ao menos no Ocidente, os perigos que nos cercam são de outra natureza.

Outro termo da obra de Orwell, este já não tão notório, é o duplipensar, o qual consistia, basicamente, segundo a definição fornecida pelo personagem principal, em:

“Saber e não saber; Ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas; Defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade (...); esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar.”

O duplipensar orwelliano era ao seu tempo um aviso duro a nossa sociedade; Um alerta constante a preservação do significado das palavras e o uso para qual o Estado as destinava. No livro, o Partido, ente que controlava essa sociedade totalitária, tinha três lemas principais: “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.” Ao embaralhar os conceitos dessas palavras, utilizando-as de maneira contraditória e ao mesmo tempo, sendo acatado por todos, o Estado detinha o poder de controle sobre a consciência dos indivíduos, fazendo-os acreditar em qualquer coisa que este afirmasse, não importando nenhum um pouco se tais declarações fizessem sentido ou fossem ilógicas. Não surpreende assim que os quatro ministérios daquele governo também se utilizassem do duplipensar: o Ministério da Verdade era o responsável por fabricar e sustentas as mentiras oficiais; o Ministério da Paz cuidava das guerras; o Ministério do Amor mantinha a ordem e a lei, prendendo e eliminando todo e qualquer opositor do regime; e o Ministério da Fartura era responsável pelo racionamento de todos os produtos disponíveis, desde os alimentos até o vestuário e materiais de higiene.

Numa sociedade plural, justa, democrática e fundada no Estado de Direito, a defesa das liberdades individuais é essencial; Essencial porque há sempre o risco de que a maioria do turno, aquela que elege os governos nas eleições, utilizem-se do poder do Estado para violar os direitos das minorias. A igualdade de todos perante a lei, o direito a propriedade, o direito a vida, a liberdade de expressão, todos compõe uma gama de mandamentos constitucionais cujo objetivo é os de justamente coibir qualquer rasgo autoritário dos governos eleitos democraticamente, sejam eles de direita ou de esquerda.

Contudo, o que se pode notar hoje em dia, é uma relativização constante dos direitos e garantias individuais, sempre em busca de uma tal “justiça social”. A Constituição Federal assevera que todos devem ser tratados igualmente pelo Estado, mas ao mesmo tempo são criadas e aplicadas leis que criam privilégios a determinados indivíduos e grupos, como é o caso das cotas. A Constituição Federal afirma que é garantido o direito a propriedade, mas a mesma a condiciona a uma certa “função social”, um conceito extremante vago e impreciso. A Constituição Federal garante a liberdade de expressão em todas as suas formas, mas o Estado impõe ao mesmo tempo o combate a idéias e opiniões consideradas “subversivas” e criminosas, justificando essa atitude em nome de um princípio também bastante vago, o da “dignidade da pessoa humana”.

Durante os últimos dois meses foi possível notar como o duplipensar esta arraigado nas mentes dos cidadãos brasileiros. Quatro casos chamam a atenção em especial: no primeiro, uma universitária que trabalhava como professora acusou de racismo uma escola porque, segundo ela, a diretora a teria ordenado que alisasse o seu cabelo, para que este ficasse de acordo com as normas sociais do colégio; no segundo, uma jovem do estado do Rio Grande do Sul postou mensagens preconceituosas no Twitter direcionadas aos nordestinos; no terceiro, uma enfermeira foi filmada pela sua empregada doméstica espancando várias vezes seu cão de estimação até a morte; e no quarto e último, a aprovação pelo Congresso Nacional da “Lei das Palmadas”. Em ambas os casos, a reação da sociedade foi imediata, como as várias mensagens na internet de desprezo e repugnância ou de apoio e concordância com estes atos. Entretanto, o problema aqui não consistiu nessa mobilização digital, a qual é totalmente válida justamente em face do direito a liberdade de expressão o qual todos gozam, mas sim nas medidas que estes clamavam ao Estado que, por meio do Ministério Público, tomasse em relação a essas situações.

No caso da moça “vítima de racismo”, surpreende pelo óbvio: porque alguém que não se sente confortável ou discorda de determinada regra adotada por uma entidade, no episódio a escola, permaneceria trabalhando neste local? Ninguém é obrigado a trabalhar para um racista, assim como para qualquer outro tipo de pessoa. Aliás, sendo a diretora do colégio a pessoa responsável pelo gerenciamento daquela propriedade, cabe a ela legitimamente determinar quais são as regras válidas e que devem ser obedecidas naquele estabelecimento. Funciona da mesma forma na casa das pessoas: cabe a cada um determinar quem pode ingressar em sua propriedade e como este deve agir quando estiver dentro dela, sob o risco deste ser convidado a se retirar (leia-se: ser legitimamente expulso). Ou seja, discriminar é, para além do uso da liberdade individual, uma política essencial dos direitos de propriedade. Contudo, para muitos há uma diferença entre esses casos, especialmente para o Estado. A mesma lei que afirma na Constituição que o lar é asilo inviolável do cidadão e que garante o direito de propriedade (e consequentemente todos os poderes inerentes a essa condição jurídica) impõe um tratamento diferenciado entre propriedades, fundamentando-se sempre na idéia da “função social da propriedade”, a qual suspende o direito de poder discriminar. Neste caso inclusive, a uma clara tomada de lado na natureza da própria lei contra o racismo, já que até hoje nenhum negro foi condenado por ser racista com um branco, como se apenas esses últimos fossem os racistas em potencial. É, portanto, o duplipensar aplicado ao direito de propriedade e o da igualdade de todos perante a lei.

Quanto a garota racista no Twitter, outra surpresa, afinal ela apenas exerceu seu direito constitucional a liberdade de expressão. Esse direito, ao contrário do que muitos imaginam, não significa que o indivíduo pode expressar somente aquilo que a maioria considera legal, tolerável ou moral, mas garante justamente a possibilidade de poder defender o intolerável, o imoral e, até mesmo, o ilegal (aliás, se isso não fosse possível, as leis seriam imutáveis, já que a discordância não seria admitida nunca). O grande teste do respeito ao direito a liberdade de expressão passa precisamente por defendê-lo quando este é aplicável àqueles que discordamos veementemente. Como bem apontou o escritor Philip Pullman no lançamento de mais um dos seus livros polêmicos, ninguém é obrigado a concordar com ele, nem se silenciar por causa do que ele defende, mas não é admissível ir para além disso. Qualquer tentativa de criminalizar opiniões ou censurá-las sempre irá ferir de morte o direito a liberdade de expressão dos indivíduos. Isso, contudo, não tem impedido o Estado de condenar pessoas por expressarem suas idéias racistas e preconceituosas, calcando essas decisões em nome do princípio da “dignidade da pessoa humana”. É, portanto, o duplipensar aplicado ao direito de liberdade de expressão.

O caso da mulher que matou seu animal de estimação é o mais peculiar de todos. Inúmeras mensagens no Twitter e no Facebook defendiam que ela merecia ser agredida, presa e até morta em razão do seu ato inegavelmente covarde. A idéia, claro, parte novamente não só da sociedade como das leis atuais, que protegem todos os animais de serem maltratados, garantindo-lhes o “direito” a vida e a preservação de sua integridade física. De fato, as normas de direito penal buscam sua legitimidade no ordenamento nacional nos atos considerados criminosos pela sociedade, que na realidade significa mesmo a maioria da hora ou a minoria com influência política, jamais sua totalidade. Ao se negar que animais não passam de propriedade dos seus donos (se assim não o fossem, essa terminologia inclusive não faria sentido algum), elevando-se esses animais a categoria de sujeitos de direito, colocasse no mesmo patamar uma pessoa inválida, em coma e um recém-nascido com um ser cuja espécie é inerentemente irracional, ou seja, não cumpre nem poderia potencialmente cumprir com os requisitos básicos para o exercício dos seus direitos e dos seus deveres como qualquer ser humano. Aliás, não é possível ignorar que tem crescido de maneira impressionante aqueles que defendem fortemente os “direitos” dos animais, mas ignoram completamente os problemas mais, por assim dizer, humanos, como é o caso da escalada da criminalidade em nossa sociedade, que ceifa milhares de vidas anualmente somente nesse país. Quanto a esses problemas, nenhuma corrente virtual é mobilizada ou é digna de atenção. É, portanto, o duplipensar aplicado a toda essência principiológica do ordenamento jurídico (humano).

Por fim, resta abordar a famigerada “Lei das Palmadas”. Com o intuito oficial de preserva a integridade física das crianças e adolescentes, o Estado resolveu interferir (novamente) no âmbito privado, em especial nas relações familiares e como estas se desenvolvem. A referida lei transformou em crime qualquer ato de agressão direcionada aos menores de idade em passível de punição aos que cometem e aos que encobrem o ato e estabelecesse tratamento psicológico para os agressores, que na maior parte dos casos, seriam os pais. Prevê também a lei que qualquer pessoa é legítima, incluindo o próprio menor, para denunciar a infração da lei por alguém. Aqui fica patente uma correlação direta com o livro 1984, já que nele as crianças são treinadas desde pequenas pelo Estado a vigiarem seus pais, fiscalizando seus comportamentos e os denunciando por qualquer ato considerado ilegal pelo Partido. É o clássico caso do “inimigo dorme ao lado”. Contudo, essa situação não seria de toda absurda, do ponto de vista lógico, se o próprio Estado não coibisse na Constituição Federal qualquer ato coercitivo, seja privado ou público, que atente contra o direito da família de estabelecer o seu planejamento familiar, incluindo a forma como os pais educam seus filhos. É, portanto, o duplipensar aplicado a preservação da incolumidade da família.

As contradições do sistema jurídico, que ao mesmo tempo são aceitas pela maior parte das pessoas, assim como no livro de Orwell, passam completamente despercebidas para a maioria das pessoas. Essas contradições estão tão arraigadas em suas mentes que elas já agem de forma inconsciente em sua defesa, sem raciocinar exatamente sobre o que realmente defendem. Esse é o perigo maior do duplipensar: quando o indivíduo já não é mais capaz de diferenciar a verdade da mentira, o real do imaginário, o lógico do ilógico. Em 1984, num determinado momento, um dos algozes de Winston levanta sua mão esquerda mostrando a ele quatro dedos e perguntando em seguida quantos dedos ele estava exibindo. Após a confirmação por parte de Winston de que eram quatro, o torturador pergunta quantos dedos teria na mão dele se o Partido disser que são cinco. Como Winston não conseguia negar o óbvio, ele é torturado inúmeras vezes em sequência. Quando a tortura tem uma pausa, segue-se o diálogo entre eles:

- Que posso fazer? – choramingou Winston. – Como posso deixar de ver o que está diante dos meus olhos? Dois e dois são quatro.

- Às vezes, Winston. Às vezes são cinco. Às vezes são três. Às vezes são as três coisas ao mesmo tempo.

Adriel Santos Santana é estudante de Direito na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Mais um cartel criado pelo Estado...

Há alguns meses eu escrevi um texto sobre uma lei estúpida que regulamentou a profissão do sommelier.

No texto, eu apontava que "regulamentar profissões é uma forma extremamente eficiente de o Estado cartelizar uma determinada profissão, criando corrupção, ineficiência, piora dos serviços e aumento dos preços, ou seja, tudo o que a auto-regulação pelo livre-mercado impede que ocorra".

Agora leiam essa notícia: http://economia.estadao.com.br/noticias/sua%20carreira,senado-aprova-regulamentacao-da-profissao-de-dj-,95180,0.htm. Isso mesmo! O Senado regulamentou a profissão de DJ, e a lei em questão nem se preocupou em ocultar sua real intenção de reservar mercado: "o texto cria uma reserva de mercado, ao tornar obrigatória a participação de, pelo menos, 70% de profissionais brasileiros nos eventos promovidos no País com atrações estrangeiras". A lei também exigirá diploma ou certificado de habilitação profissional.

É um absurdo sem tamanho!

André Luiz Santa Cruz Ramos

Um voto para ser lido e divulgado.

Causou muita repercussão o voto proferido ontem pelo Ministro Dias Toffoli, em sessão plenária do STF, no julgamento do processo que discute o controle estatal sobre a programação das rádios e televisões.

No seu voto, o Ministro Dias Toffoli proferiu as seguintes frases:

"Para que a liberdade de expressão ocorra, é preciso que haja liberdade de comunicação social, garantindo-se a livre circulação de ideias";

"A meu ver, a Constituição buscou conferir aos pais, como reflexo do exercício do dever familiar, o papel de supervisão do acesso ao conteúdo assistido pelos filhos";

"a Administração ou qualquer órgão público não podem condicionar a admissão ao conteúdo de programas";

"não cabe ao Estado ser protagonista sobre o que deve ou não deve ser veiculado na televisão";

"Não deve o Estado substituir os pais sobre o que os filhos podem assistir ou não na televisão".

O voto faz críticas contundentes à classificação indicativa imposta pelo Estado e defende a autorregulação e o autocontrole feito pelo próprio mercado. Vejam esse trecho, sobretudo as partes destacadas:

"Essa é, portanto, em síntese, a sistemática atualmente adotada pela
União (Ministério da Justiça) para a realização da atividade de
classificação das diversões públicas e de programas de rádio e televisão.
Trata-se de sistema de classificação eminentemente estatal, de
regulação exclusivamente pública. Cabe ao Estado estabelecer as normas
e critérios gerais a serem seguidos na classificação, exercer a atividade
classificatória e também monitorar e fiscalizar o cumprimento das regras
estabelecidas.
Não há dúvida de que estamos diante de modelo passível de críticas

contundentes
, sobretudo à luz de um passado não muito distante de
censura institucionalizada. Afinal, é o Estado, por meio de agentes

burocratas, quem deve estabelecer e executar diretamente a classificação
dos programas de rádio e televisão em nome da sociedade?

Exatamente para evitar esse tipo de intervenção por parte do Estado
e promover formas mais avançadas de participação e de exercício da
cidadania no exercício desse sistema de classificação, tem sido cada vez
mais adotada no direito comparado a sistemática de classificação
indicativa calcada na autorregulação e no autocontrole pelas próprias
emissoras ou mediante corregulação, a qual combina elementos de
autorregulação com os da regulação pública.

A título de exemplo, nos Estados Unidos, no âmbito da indústria
cinematográfica, a Motion Pictures Association of America, associação
composta pelos maiores estúdios de cinema do país, estabelece, por
intermédio de um conselho de classificação formado por pais com
mandato definitivo, a classificação dos filmes, visando fornecer
informações sobre a faixa etária adequada do filme analisado. Como o
instituto é criação da própria indústria cinematográfica, tem-se, no caso,
um sistema de autorregulamentação, de forma que os próprios estúdios
impõem seus critérios de classificação. Embora a indicação do Conselho
não seja vinculativa, podendo o filme ser veiculado sem constar a
classificação indicada, há, no caso, um controle desenvolvido pela
sociedade e pelo mercado, evitando-se a comercialização e a exibição de
filmes unrated (não classificados).

Quanto à classificação no âmbito da televisão, nos Estados Unidos,
ela é exercida pelas próprias emissoras (...)".

Mas, sem dúvida, a melhor parte do voto foi a seguinte:

É chegada a hora de pararmos de pensar sistematicamente que o povo deve ser tutelado pelo Estado, ou que o povo não tem capacidade de discernimento, ou que o povo brasileiro, em razão de condições sociais, não teria a dignidade como ser humano de saber fazer as suas opções pessoais, individuais”.

Vamos ler e divulgar esse voto!

P.S.: é preciso ressalvar que o voto tem lá seus momentos ruins, quiçá péssimos. Além de ceder a clichês e lugares-comuns em vários pontos, defender a atuação do Estado em tantos outros, o voto ainda cita Karl Marx e chega a flertar com uma lei que obriga os fabricantes de TV a criar sistemas de bloqueio de canais (ainda bem que essa lei está sendo ignorada, coisa que ele lamenta no voto). Enfim, leiam o voto e tirem suas conclusões. No geral, é possível extrair uma mensagem positiva em defesa da liberdade.


André Luiz Santa Cruz Ramos

Mercado privado de saúde x serviço público de saúde

O placar desse duelo todos sabem: o mercado privado de saúde ganha de goleada. Mesmo assim, as pessoas - mais por ignorância do que por má fé - ainda insistem em defender coisas como "x% do PIB para a saúde pública", "direito fundamental à saúde" etc. É preciso entender, de uma vez por todas, que direitos não se criam numa canetada. Em todo e qualquer setor da economia o livre mercado proverá de forma mais ética e eficiente os bens e serviços demandados pelos consumidores. Isso vale também para os ditos bens e serviços essenciais, como saúde, educação e segurança. Quando o Estado se mete a prover esses bens ou serviços, ocorrem aquelas coisas de sempre: ineficiência e corrupção. Além disso, não custa lembrar que o Estado precisa nos roubar mais e mais para prover esses bens e serviços para a população. Vejam a matéria abaixo (em vermelho), que comento (em preto) parágrafo por parágrafo:

Clínicas populares são alternativa

Serviços médicos a preços baixos são opção para quem não quer esperar nos postos e nem tem plano de saúde

Publicado em 29 de novembro de 2011

Por MARÍLIA CAMELO


Aquela era a primeira vez como paciente, mas o taxista João José da Costa conhece muito bem o "quarteirão das clínicas", ao lado da Santa Casa de Misericórdia. "Já trouxe muita gente aqui. O pessoal que vem do Interior vai tentar ser atendido nos postos ou fazer exame na Santa Casa e, quando não consegue, escapa por aqui mesmo", conta.

Qualquer pessoa minimamente informada sabe que esse “quando não consegue” é a regra, porque todos nós que acompanhamos o noticiário sabemos que o serviço público de saúde é ineficiente por natureza, e não há como ser diferente.

Quem não aguenta a demora do serviço público nem tem como pagar um plano de saúde acaba optando por essas clínicas e consultórios populares. Só em dois trechos das ruas Doutor João Moreira e Senador Pompeu, a reportagem encontrou 11 clínicas oferecendo consultas e exames a "preços populares" ou "ao alcance de todos".

Se há uma demanda, é óbvio que o mercado se encarrega de criar a oferta. E veja que são pessoas pobres, mas mesmo assim o mercado dá atenção a elas e oferece os serviços que elas precisam. E vejam que coisa absurda: o mercado oferece esses serviços “a preços populares”, “ao alcance de todos”. Incrível, não é!? E eu que pensava que o mercado só atendia os ricos...

O preço das consultas varia de R$ 40,00 a R$ 60,00. Já o preço médio dos exames é R$ 100,00. Os locais mais antigos atuam ali entre cinco e dez anos, e atendem por ordem de chegada. De tão estabelecidos, já viraram uma referência.

Eu me arrisco a dizer que os preços acima mencionados são mais baixos que o valor da propina usualmente cobrada pelos funcionários corruptos dos hospitais públicos que vendem lugares na fila.

Outra coisa interessante desse parágrafo é a prova de que o mercado se auto-regula. Os bons estabelecimentos viram referência para o consumidor. Assim, se algum picareta tentar oferecer os serviços, logo será “expulso” pelos consumidores. Por outro lado, quem mostra eficiência conquista mais e mais clientes, e assim consegue obter lucros cada vez maiores, os quais serão reinvestidos, propiciando mais e melhores serviços, a preços mais baixos.

"Sou de Irauçuba e meu irmão precisa fazer um exame de joelho que não tem lá. Foi o pessoal da Secretaria de Saúde de lá que indicou essas clínicas, dizendo que aqui era mais garantido", conta a dona de casa Silvana Rodrigues de Sousa.

Esse parágrafo é cômico. Os funcionários dos hospitais públicos, quando não são corruptos e vendem lugares nas filas, são preguiçosos e tratam logo de mandar os pobres para as clínicas privadas, que os recebem de braços abertos.


"No posto, a gente perde o dia de trabalho e não sabe se vai ser atendido. Aqui, pelo menos, pode demorar um pouco, mas é consultado. Os médicos daqui são atenciosos, no posto nem pegam na gente", observa a atendente Gracivânia de Sousa.

Bem, isso é óbvio, não é mesmo? O médico dos hospitais públicos não precisa agradar o paciente, porque ele não está sujeito à regra de competição do mercado: sua remuneração está garantida, mesmo que ele atenda mal e que preste o serviço de forma insatisfatória. Por outro lado, o médico das clínicas privadas precisa atender bem o paciente, para que ele aprove o serviço, queira voltar posteriormente e indique o estabelecimento a outros. É assim que funciona no livre mercado: fornecedores de bens ou serviços só conseguem se manter competindo por clientes se obtiverem perante estes uma boa reputação.


Em todos, o cenário é o mesmo: salas de espera apinhadas de pacientes de todas as idades. Além de dividir o espaço da sala com material de construção para uma reforma, a Clínica Santa Clara coloca cadeiras de plástico na calçada, estendo a fila de espera para o espaço público. Funcionários distribuem folders e fazem de tudo para atrair a clientela. Entre os "confortos", eles oferecem água, cafezinho, suco e caldo.

Como eu disse nos parágrafos anteriores, (i) os lucros são reinvestidos (obras para aumentar a clínica e sua capacidade de atendimento etc.) e os prestadores de serviços fazem de tudo para agradar os consumidores, o oposto do que ocorre no serviço público.

Em outra clínica, a Divina Luz, a equipe é interpelada por um vigilante. "A dona mandou dizer que vocês não têm autorização pra ficar aqui". "Mas nós estamos na calçada". "Só que não pode, vocês estão tirando foto do cavalete (que anunciava as especialidades médicas)", retrucou o vigilante. "Pois é, este mesmo cavalete que não devia estar aqui, porque atrapalha o trânsito dos pedestres". Sem responder, o funcionário voltou para dentro.

Opa! Não sei bem o porquê, mas senti que a autora da reportagem deu uma dica de que não gostou muito das clínicas particulares. Parece que ela ficou irritada pelo fato de a clínica se apropriar do espaço público (calçada). Vocês acharam o mesmo? É revoltante essa forma como a imprensa retrata esses fatos. Os cidadãos de bem (pessoas que estão apenas oferecendo serviços livremente a quem queria contratá-los voluntariamente) são tratados como bandidos, e os bandidos (agentes do Estado) são tratados como cidadãos de bem. Outro dia vi uma matéria sobre "táxis" clandestinos, e os coitados dos "taxistas piratas" foram retratados como criminosos. É surreal!


De acordo com o médico Lino Antônio Cavalcante Holanda, do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremec), não existe em Fortaleza registro de clínicas populares junto ao órgão. "Um local pode até se dizer clínica como nome de fantasia. Mas para ser clínica, é preciso ter inscrição no Cremec e um diretor técnico responsável. Nesse caso, a maioria é apenas consultórios", explica.

Aqui já entra em cena outra faceta nefasta da atuação estatal: os conselhos regulamentadores de profissões. Vejam como o membro do cartel criado e mantido pelo Estado (Conselho Regional de Medicina) se irrita com a livre concorrência e sai logo atirando. Como ele não consegue se conformar com o fato de pessoas ofertarem livremente serviços médicos a quem estiver disposto a adquiri-los voluntariamente, ele se prepara logo para usar de violência. Vejam...


Ele observa, no entanto, que a Resolução nº 1.974/2011 do Conselho Federal de Medicina estabelece limites para a propaganda de serviços médicos. "Já recebemos algumas denúncias dessas clínicas em relação à abordagem, com folders destacando a questão do preço. A atividade médica é um serviço, não pode ser confundida com comércio", ressalta.

Viram? Ele aponta a arma para a cabeça dos médicos que oferecem livremente seus serviços aos pobres consumidores e avisa: “vou acabar com você, seu furador de cartel!”.

No mais, a frase “a atividade médica é um serviço, não pode ser confundida com comércio” é uma piada. Alguém entendeu? O que esse cidadão precisa entender de verdade é que a saúde é um bem, não um direito. E é um bem que deve ser oferecido no mercado como todos os outros: livremente. Os consumidores farão a seleção dos profissionais e das empresas, segundo os critérios que todos nós conhecemos: qualidade, preço etc.


Quando tais casos são identificados, o Cremec chama os profissionais para que tornem a propaganda menos chamativa. O médico acredita que as falhas no sistema público acabam incentivando este tipo de atividade. "As pessoas estão cansadas, frustradas de passar meses esperando por um exame, uma consulta. Quem está doente quer ser atendido", avalia.

Nossa, parece que ele finalmente estava começando a entender... Pena que a matéria acabou aqui.

André Luiz Santa Cruz Ramos

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A ANATEL ataca (a concorrência) novamente

Qualquer pessoa lúcida sabe que a concorrência é algo positivo em qualquer mercado de bens ou serviços, sobretudo do ponto de vista do consumidor, que tende a ter mais e melhores possibilidades de escolha na hora de decidir comprar algo. Portanto, é óbvio que as privatizações ocorridas no Brasil na década de 90 foram boas. Mas será que não podiam ter sido melhores? É óbvio que sim. Se você duvida, leia esses textos: sobre as privatizações (parte 1) e sobre as privatizações (final).

O Brasil privatizou alguns setores – e isso já foi suficiente para melhorá-los –, mas não os desestatizou. Em vez de exercer diretamente as atividades econômicas que exercia antes (sempre dando um show de ineficiência), passou essa tarefa para a iniciativa privada e assumiu a posição de regulador.

A regulação estatal significa que não existe livre mercado nos setores regulados. As pesadas e esquizofrênicas regulamentações criam barreiras insuperáveis a novos competidores, o que acaba criando reserva de mercado para umas poucas e bem relacionados empresas. Quem se prejudica com isso? O consumidor, é claro!

Quer um exemplo de como a regulação estatal pode ser estúpida e contrária à livre concorrência? Leia essa matéria: Anatel quer ter possibilidade de restringir oferta do seac por questoes concorrenciais.

Leu? A ANATEL acha que o excesso de competição é ruim e quer ter poder para limitar o número de competidores. O Brasil é ou não é o país da piada pronta?

André Luiz Santa Cruz Ramos

O Maranhão acredita na liberdade!


Acabei de chegar de São Luís. Hoje pela manhã proferi uma palestra sobre o projeto de novo Código Comercial brasileiro na III Jornada de Ciências Cíveis e Criminais do Maranhão. Eu reproduzi, basicamente, as idéias que havia lançado num artigo escrito há alguns meses: http://www.pliber.org.br/Artigos/Details/35.

Na palestra, fui ainda mais incisivo na defesa do livre mercado do que no texto. À parte algumas considerações técnicas relativas à minha área, o direito empresarial (critiquei a o dirigismo contratual da nossa legislação, defendi o uso da arbitragem nos contratos empresariais, preguei a criação de órgãos auto-regulatórios nos diversos setores do mercado etc.), não me furtei a fazer também algumas considerações políticas, criticando duramente a nossa cultura estatista e nossa política estatal intervencionista: tributo é roubo, regulamentações só servem para criar reserva de mercado, pacotes de socorro desnaturam a essência do capitalismo, leis trabalhistas mais prejudicam que beneficiam os trabalhadores etc. foram frases que eu disse, com todas as letras, para uma platéia de mais de 700 pessoas, quase todos estudantes de direito.

Finalizei minha fala repetindo a frase final do meu artigo ("um bom CCom é o que deixa o mercado funcionar") e lembrando a conhecida Revolta de Beckman, ocorrida em São Luís no ano de 1864, quando os maranhenses se rebelaram contra a Companhia de Comércio do Maranhão, que ganhou do estado o monopólio de toda a atividade mercantil na região por 20 anos. Já naquela época o estado se metia a regular a economia, favorecendo os bem relacionados e prejudicando todos os demais, sobretudo os consumidores mais pobres.

Para minha felicidade, a receptividade a essas idéias foi muito boa. Várias pessoas - muitos jovens! - vieram falar comigo ao final do evento. Ouvi de muitos a seguinte frase: "finalmente eu escutei alguém dizer o que eu penso". Uma senhora, que se disse empresária, me cumprimentou efusivamente.

De tudo o que eu vi e vivi hoje em São Luís, tiro uma conclusão: existe um número bem maior do que imaginamos de pessoas que acreditam na liberdade e que podem ser convencidas de que a ordem espontânea é mais ética e mais eficiente do que a (des)ordem coercitiva imposta pelo estado.

Hoje foi, sem dúvida, um dos dias mais felizes e marcantes da minha vida.

André Luiz Santa Cruz Ramos

A veia libertária de Monteiro Lobato.


Ontem eu li um texto sobre Monteiro Lobato, escrito pelo meu colega de magistério Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Recomendo a leitura: "para Lobato, advogado é inseto que faz plantas secarem".

Ao ler o texto, pude perceber que o grande escritor Monteiro Lobato tinha uma veia libertária e tanto, e a exercia com maestria em vários contos em que criticava de forma veemente o fisco e o funcionalismo público. Vejam essas passagens do texto do professor Godoy:

"Lobato foi um crítico mordaz do modelo tributário. Em Idéias de Jeca Tatu ao descrever a chegada da família real portuguesa no Brasil, Lobato chama a atenção para o desembarque de um personagem:

O Fisco — um canzarrão tremendo de dentuça arreganhada 3 é conduzido no açamo por vários meirinhos.

E, em outra obra, verificava no Fisco uma herança portuguesa:

Portugal só organizou uma coisa no Brasil-colônia: o Fisco, isto é, o sistema de cordas que amarram para que a tromba percevejante siga sem embaraços. Quem lê as cartas régias e mais literatura metropolitana enche-se de assombro diante do maquiavélico engenho luso na criação de cordas. Cordas trançadas de dois, de três, de quatro ramais; cordas de cânhamo, de crina, de tucum, de tripa; cordas estrangulatórias de espremer o sangue amarelo e cordas de enforcar.

E continua, agora a propósito do Imposto de Renda:

A invenção do novo borzeguim — imposto de renda — excede a tudo quanto saiu da cabeça dos inquisidores: a vítima ignora o que tem de pagar e se não paga com exatidão incide em pena de confisco! E se em desespero de causa pede ao Fisco que lhe explique o mistério, que lhe dê a chava vertical e horizontal do quebra-cabeças, o marquês de Sade sorri e responde diagonalmente: — Pague com cheque cruzado, e explica com grande ironia de detalhes como se toma de uma régua, duma pena molhada em boa tinta e como se cruza um cheque.

A ironia é implacável. O suposto devedor, ao perguntar por que deve, tem como resposta o como pagar. É a imagem da repartição pública onde o devedor, ao questionar fato gerador, base de cálculo, lançamento, multa, juros de mora, tem como resposta o regular preenchimento de um guia de recolhimento. Para Lobato, a imposição tributária é perene na vida do cidadão. Começa bem cedo, com as primeiras providências do dia, nos hábitos, nos vícios:

Pela manhã, ao acender o primeiro cigarro, tem que gastar o esforço de duas unhadas para romper o selo com que o fisco tranca as caixas de fósforo e os maços de cigarro.

O escritor defendia a vinculação tributária. Não há como, segundo ele, tributar sem se oferecer uma contraprestação. É o que se subsume da passagem:

O imposto não se justifica sem uma equivalente prestação de serviços. Fora daí é puro roubo.

Lobato era irredutivelmente agressivo para com o Fisco, que qualificava com os mais negativos impropérios. Escreveu:

Que é o fisco senão um “sistema de embaraços” opostos à livre atividade do homem, que deles só se livra por meio de entrega ao Estado de uma certa quantidade de dinheiro.

A tributação, para Lobato, vislumbra iniquidades que mudam o rumo da história. A Inconfidência Mineira é um exemplo e Lobato sugere outro, tomado da história universal:

A história da civilização cabe dentro da história do Fisco. Grandes convulsões sociais, como a Revolução Francesa, tiveram como verdadeira causa as iniquidades do Fisco.

Não há prazer no recolhimento, para Lobato, principalmente quando não se tem nada em troca. A obrigação tributária, para Monteiro Lobato, é odiosa:

Pagar impostos é coisa desagradável porque significa dar moeda em troca de coisas que não nos aproveitam diretamente. Em todos os tempos o homem sempre fugiu de pagar impostos. Paga-os compulsoriamente.

Lobato acreditava que além das imposições compulsórias em moeda havia também outra imposição, que da nação tirava trabalho e esforços. Porém, vale-se de imagem metafórica, comparando o esforço que o Estado tira das pessoas com o esforço decorrente da abertura da caixa de fósforos, lacrada com o selo do imposto de consumo. Vejamos a passagem:

— O esforço que acabo de fazer para abrir esta caixa de fósforos repete-se no Brasil 5 milhões de vezes por dia. Supondo que um quilogrâmetro de força muscular dê para abrir 200 caixas, teremos um dispêndio de 333 cavalos-vapor para abrir os 5 milhões de caixas que se abrem diariamente, ou sejam, num ano, 121.500 cavalos. É o esforço, o dispêndio inútil de energia que um simples selo, grudado às caixinhas de fósforos, exige do país.

No livro Negrinha, Lobato estampou um conto, chamado O Fisco, onde se vale da ficção para chicotear as iniqüidades tributárias que tanto combatia. A estória se passa em São Paulo. Um menino, de família humilde, maltrapilho, com sua caixa tosca de engraxate, feita pelas próprias mãos, pensou em ajudar a família, trabalhando como engraxate, nas ruas de São Paulo. O garoto, sem autorização da Prefeitura (e ele nem sabia o que era ou porque havia necessidade disso) fora surpreendido pelo fiscal:

— Então, seu cachorrinho, sem licença, heim? Exclamava entre colérico e vitorioso, o mastim municipal, focinho muito nosso conhecido.

E continua Lobato:

A miserável criança evidentemente não entendia, não sabia que coisa era aquela de licença, tão importante, reclamada assim a empuxões brutais.

A família, muito pobre. Após narrar os dramas dessas famílias, que viviam no Brás, no início do século, Lobato imagina a criança de volta para a casa:

Horas depois o fiscal aparecia em casa de Pedrinho com o pequeno pelo braço. Bateu. O pai estava, mas quem abriu foi a mãe. O homem nesses momentos não aparecia, para evitar explosões. Ficou a ouvir do quarto o bate-boca.O fiscal exigia o pagamento da multa. A mulher debateu-se, arrepelou-se. Por fim, rompeu em choro.

E a mulher teve de pagar:

Mariana nada mais disse. Foi à arca, reuniu o dinheiro existente — dezoito mil réis ratinhados havia meses, aos vinténs, para o caso dalguma doença, e entregou-os ao Fisco.

Lobato, ainda, anota o epílogo, começa com o Fiscal:

E foi à venda próxima beber dezoito mil réis de cerveja.

Por fim, quanto ao menino:

Enquanto isso, no fundo do quintal, o pai batia furiosamente no menino.

O conto dimensiona, a partir de uma questão tributário-administrativa, o problema da justiça. Lobato valeu-se do conto para expressar sua opinião sobre um funcionalismo corrupto, arrogante e ineficiente. Edgard Cavalheiro reproduziu em sua biografia passagem de Lobato, que qualifica a premissa:

Não há serviço público que não empregue cinco homens, pessimamente pagos, para fazer, malfeitíssimamente, a tarefa que um só, bem pago, faria a contento.

A concepção tributária de Lobato é muito próxima de suas ideias de justiça. Como homem de negócios, de ação, pôde Lobato viver, de experiência própria, os efeitos nefastos de um modelo tributário agressivo e ineficiente. No conto O Fisco, Lobato dimensionou a questão em nível de drama humano, que vivera ao longo de sua vida de homem de negócios. Para o escritor, a miséria radicava na desigualdade da distribuição dos bens, que, poderia ser mitigada por um sistema tributário mais humano. Escreveu Lobato:

— E que é a miséria senão a consequência última da injustiça na distribuição dos bens?

A guerra que Lobato fazia ao fisco (e que de certo modo tem resultados, dada a imunidade tributária dos livros, que tanto defendeu) é mais uma faceta de seu espírito combativo. A circunstância traduz, identificando sistemática oposição à imposição tributária irracional, mais uma perspectiva de desilusão jurídica.

Lobato acreditava que a vida do operador jurídico é vazia porque as condições determinantes da justiça são estruturais, dependentes da justiça econômica, fundamentada na boa distribuição de renda. Imaginava nosso Brasil um país de tavolagem e em crônica, que leva esse nome, escreveu:

Evidente, pois, que só uma solução existe para todos os problemas nacionais: a indireta, a solução econômica. Só a riqueza traz instrução e saúde, como só ela traz ordem, moralidade, boa política, justiça."

Grande Monteiro Lobato! Gostei demais da parte em que ele destaca que a tributação vislumbra iniquidades que mudam o rumo da história. Nada mais atual do que essa afirmação, hein? Afinal, o impostômetro está perto de chegar à marca de R$ 1 trilhão (se é que não já chegou...) e ainda se fala na recriação da abominável CPMF. Vamos ficar parados?

P.S.: se Monteiro estivesse vivo, teria o desprazer de saber que os estatistas estão querendo censurar suas magníficas obras, com base nessa moda ridícula do "politicamente correto".

André Luiz Santa Cruz Ramos