quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Dois pesos, duas medidas.

Todas as pessoas baseiam suas ações em um conjunto de princípios e valores, os quais as norteiam para o que elas consideram ser o certo, evitando assim o que é visto como errôneo pelas mesmas. Esse conjunto principiológico é denominado de ética. É por meio dela que se dá a construção do ser humano não só como um indivíduo racional, mas também como um ser social.

Os libertários possuem um código ético amparado em três valores ou direitos básicos: a vida, a liberdade e a propriedade. Todos são importantes e interdependentes. O respeito por cada um deles é o que permite ao homem poder explorar suas potencialidades e buscar seus objetivos, desde que estes não estejam em conflito com os direitos fundamentais dos outros. Esse respeito é a fonte normativa do princípio da não-agressão, base da filosofia libertária, que pressupõe que ninguém deva sofrer coação quanto a sua vida, liberdade e/ou propriedade.

Mesmo compartilhando de princípios éticos comuns, há uma constante divergência entre os libertários em relação aos mais diversos temas, como são os casos do aborto, da pena de morte e dos maus tratos contra animais. A discussão em geral gira em torno da legitimidade ou não de se aplicar proibições contra essas práticas no sistema jurídico vigente.

Parece haver uma séria confusão que assola os libertários sobre o que seria de fato o conceito de legitimidade. Para a filosofia libertária, é legítimo tudo aquilo que contém a vontade (e subseqüente concordância) da pessoa, desde que está não aflija a esfera individual de outros. E é justamente sobre esse ponto que deve se assentar qualquer análise sobre a legitimidade ou não de um ato ou pena em relação a um indivíduo.

Dessa forma, por coerência, em um sistema monopolístico e impositivo de justiça, como é o atual, um libertário deve sempre julgar uma medida ou ato de acordo com o princípio da não-agressão. Ou seja: como não há de fato uma voluntariedade expressa por parte dos “consumidores da lei” em sua concepção e aplicação, o libertário deve se posicionar a favor de qualquer medida que resguarde a vida, a liberdade e a propriedade dos indivíduos e obviamente contra qualquer pena ou proibição que vá de encontro a esses três direitos.

É justamente por isso que um libertário coerente, em um sistema de monopólio da lei, deve discordar veementemente de penas de morte (porque atentam contra o bem jurídico vida), penas relativas aos maus-tratos de animais (porque atenta contra o bem jurídico propriedade) e penas em gerais nos crimes sem vítimas ou danos a bens (porque atenta contra o bem jurídico liberdade), além de ser contra a proibição de qualquer ato que envolva a auto-propriedade do indivíduo (corpo), como são os casos do aborto e das drogas.

Contudo, esse norte moral libertário perde seu sentido em uma sociedade onde vige um sistema de justiça policêntrico, isso porque nessa situação fática o indivíduo voluntariamente escolhe qual ordenamento jurídico, dentre os vários ofertados pelo mercado, melhor o agrada ou que esteja de acordo com os seus próprios conceitos de moralidade. Neste caso, o indivíduo se encontra em posição de legitimar penas e proibições contra seus próprios atos que atentem contra sua vida, sua liberdade e sua propriedade, o que estaria em pleno acordo com a idéia de que ninguém melhor do que você mesmo para decidir sobre sua própria vida.

Assim sendo, é legítimo em um sistema policêntrico de leis que existam penas de morte para punir determinadas condutas dadas como criminosas. Legítimo porque quem concorda com a punição é o único que realmente poderia dispôs sobre um dos seus direitos basilares, a vida. Já o mesmo não se procede em um sistema de monopólio, dado que está seria uma imposição punitiva sobre a vida da pessoa sem o consentimento primário desta. Consequentemente essa mesma regra seria válida para leis que punissem maus-tratos de animais, aborto, consumo de drogas, direção de veículos sobre efeito de determina substância etc.

Posto essas diferenças básicas entre essas duas situações, não soa coerente a condenação ou permissividade per si sobre determinada lei restritiva ou penalidade pelo simples fato dela infligir ou não o tripé de direitos da filosofia libertária, como costumam fazer constantemente os jusnaturalistas com a defesa dos tais “direitos inalienáveis”.

Cabe aqui um adendo: se um direito é inalienável, implicaria em afirmar que o indivíduo não pode dispor dele, ou seja, este não lhe pertence. Isso seria um óbvio contra-senso. O que os jusnaturalistas atuais parecem não compreender é que quando os liberais clássicos colocaram o termo inalienável ao lado de determinados direitos, o objetivo destes era evitar justamente que o Estado, por meio de suas leis, pudesse interferir nesses direitos. Nota-se assim que não há uma vedação ao uso por parte do próprio indivíduo sobre seus direitos, o que fica claro na defesa desses mesmos liberais ao sistema de livre mercado, onde haverá logicamente negociações envolvendo justamente a disposição de direitos considerados “inalienáveis”, como é o caso mais evidente da compra e venda de bens (propriedades).

Portanto, o foco da condenação ou permissividade do libertário em relação a qualquer um desses temas deve ser direcionado constantemente sobre a legitimidade da medida legal para tratar de atos ligados a propriedade, vida e liberdade do indivíduo, pois qualquer argumento ou posição para além disso transpassaria o próprio princípio da não-agressão (querer impor determinada visão de justiça ou moral sobre outros) e, consequente, desrespeito as escolhas individuais.

Adriel Santos Santana é estudante de direito na Universidade Estadual de Santa Cruz, Bahia.

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